A configuração territorial da América Portuguesa

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A configuração territorial da América Portuguesa

América Portuguesa do século XVI ao XVIII: Civilização do açúcar e expansão territorial

Expansão Marítima Portuguesa

A Europa era um continente nascido das ruínas do Império Romano com a presença de povos chamados pelos romanos de "bárbaros" que começa a se modificar pela expansão agrícola e comercial. A expansão agrícola foi possível com a abertura de novas regiões cultivadas (derrubada de florestas, secagem de pântanos) e o incentivo a expansão comercial gerando com isso excedentes de produtos passíveis de comércio, aliado à especialização e o luxo crescente dos aristocratas.

Batalhas na Europa definiram fronteiras, Estados organizaram uma política centralizada, processo esse que durou séculos (1450-1550) mais a expansão geográfica da Europa cristã. O Mediterrâneo se tornou rota comercial. No entanto, esse expansionismo encontrou suas limitações instaurando uma crise na Europa com escassez de alimentos, epidemias (Peste negra 1347-1351), declínio da população. A maneira de tirar essa Europa da crise era expandir novamente a base geográfica e de população a ser explorada.

Mas por que Portugal? Havia lá uma burguesia empreendedora acostumada com o comércio de longa distância, a posição geográfica era um ponto forte contando com correntes marítimas favoráveis, próximo as ilhas do Atlântico e da costa Africana, já possuía uma política centralizada (os “Mestres de Avis”) podendo se tornar grandes financiadores das viagens que eram muito caras, o gosto possuído pelos portugueses por aventura, a atração por ouro e pelas especiarias, explicado pelos limites das técnicas de conservação existentes na época e também pelos hábitos alimentares (o alto preço de mercado do sal), além do desenvolvimento das técnicas de navegação, como o aprimoramento das cartas de navegação e da arquitetura naval.

Dentre as principais conquistas lusitanas estão a Conquista de Ceuta, em 1415, que seria o ponto de partida de sua expansão marítima. Em seguida, Portugal iniciou a sua expansão pelas ilhas atlânticas: Madeira em 1420, Açores em 1427 e Cabo Verde em 1460. Quanto ao continente africano, os portugueses iniciaram sua conquista através da navegação de cabotagem visando contornar pelo sul a grande massa de terra. Em 1433, Gil Eanes conquista o Cabo Bojador, dando fim as superstições da existência de um abismo. Em 1443, Nuno Tristão alcança a ilha de Arguim, onde são protagonizados os primeiros “resgates” (escravos por ouro). A escravidão é praticada a partir do século XV e as trocas são comerciais. As próprias lideranças africanas se organizam para fazer essas trocas. Portugal então passou a arrendar a exploração da costa da Guiné, na forma de monopólio comercial, em 1469, por cinco anos (mais um ao fim do contrato). O primeiro arrematante foi um comerciante lisboeta, Fernão Gomes, que, além da renda, ficava obrigado à descoberta anual de 100 léguas da costa, a partir da serra Leoa. Foi durante a vigência desse contrato, que se alcançou a região da Mina. Por essa razão, aquele trecho do litoral passou a ser designado como Costa do Ouro nos mapas da época. Mas o objetivo continuava a ser o de alcançar a Índia através da circunavegação da África

  • Bartolomeu Dias (1488): cabo das Tormentas (Boa Esperança);
  • Tratados: Bula Inter-Coetera (1493) e Tordesilhas (1494)
  • Vasco da Gama (1498): Calicute (especiarias);
  • Pedro Álvares Cabral (1500): Brasil e Índias.

Como consequências tivemos o deslocamento do eixo econômico europeu do Mediterrâneo para os oceanos Atlântico e Índico; a decadência das cidades Italianas; a consolidação do absolutismo; crescimento do mercantilismo juntamente com o fortalecimento da burguesia mercantil; a colonização da América; a escravidão negra e indígena; europeização do mundo; e a expansão do cristianismo. 

Ocupação do território por região

Capitanias hereditárias

A efetiva ocupação portuguesa em nosso território teve início quando o então Rei, D. João III, em 1534, cedeu capitânias hereditárias a alguns nobres portugueses, com a intenção de ocupar grande parte do litoral e impedir assim a colonização por outros reinos. 

Um novo ciclo se formou com a criação das capitanias, o pau-brasil já era escasso e a necessidade de um novo mercado surgiu. Começaram os cultivos de cana e, da metade do século XVI até quase o final do século XVII, a maior parte de nossas terras foram ocupadas com a monocultura do açúcar, com exceção de algumas regiões que criavam gado (Nordeste) ou tabaco. A extensão territorial não era problema, principalmente após o ano de 1580, no período de União Ibérica, onde mesmo Portugal e Espanha mantendo personalidade jurídica distinta, a divisão de seus territórios não era tão vigorosa. Como tinham terra disponível em abundância, o que impedia os portugueses de avançarem ainda mais no território? Segundo Rubens Ricupero (A Diplomacia na Construção do Brasil, 2017, p 43):

“A carência de mão de obra, de braços para a lavoura, é o que entorpecia o avanço da agricultura...”.

Para solucionar este problema a corte portuguesa encontrou no tráfico de escravos uma solução fundamental para continuar com seu crescimento agrícola e com sua expansão territorial. 

A ocupação da Foz do Rio Amazonas

No séc. XVII inicia-se a ocupação do Norte. Até 1612, os portugueses não haviam demonstrado interesse pela região, mas os riscos de perda territorial levaram à luta contra os franceses, que já ocupavam o Maranhão. Assim, as capitanias de Belém e Maranhão encontraram resistência para ampliar seu território ao Norte. O  então governador do Grão-Pará ordenou uma empreitada pelo Rio Amazonas e, em 1616, há a fundação de Belém, que foi a base para uma gradual penetração na região. Os potenciais ganhos da ocupação eram muito maiores que os riscos, apenas alguns homens e barcos, frente à possibilidade de encontrar uma rota fluvial que permitisse o trânsito de metais preciosos com o Peru. A ocupação da foz do Rio Amazonas ganha destaque com a viagem de Pedro Teixeira ao Peru em 1637.  Em resumo,  três elementos determinam a ocupação norte do país, de acordo com Synesio Sampaio Goes Filho (Navegantes, Bandeirantes, Diplomatas):

Drogas; índios; missionários (1644 - 1755)

Nessas expedições foram encontradas as drogas do sertão, o que fortaleceu o comércio da região. Além disso, índios foram escravizados sem gerar grande resistência e houve  grande número de missões de fé orquestradas pelos Jesuítas.

A ocupação do centro-oeste

A oeste do território brasileiro uma aventura, desbravada pelos Bandeirantes paulistas, trouxe à corte portuguesa uma solução econômica. A descoberta das minas nas regiões de Minas Gerais (bandeira de Antônio Rodrigues Arzão, em 1695), e posteriormente em Goiás e Mato Grosso, iniciou o ciclo do ouro no Brasil, tornando uma terra essencialmente agrícola em uma região de exploração. O interesse lusitano pelo que Sergio Buarque de Holanda chamou de: “colher o fruto, sem plantar a árvore”, atraiu centenas de milhares de imigrantes a nossas terras, saltando de uma população estimada em 300 mil, para cerca de 3 milhões. Nossos centros urbanos se expandiram, a capital, na época do açúcar Salvador, foi mudada para o Rio de Janeiro, e a soberania Portuguesa frente aos Espanhóis nunca foi tão grande

A ocupação do sul

Com o fim da União Ibérica, o aumento de concorrentes na produção de açúcar e a balança comercial portuguesa cada vez mais desfavorável, em grande parte devido a importação de tecidos e produtos manufaturados da Inglaterra, Portugal se viu na necessidade de recorrer aos seus antigos hábitos mercantilistas. Em uma desesperada ação em busca de ouro e prata resolveram criar a Colônia de Sacramento, em 1680, à margem leste do Rio da Prata. O território a oeste já era dominado por espanhóis desde 1580 quando da fundação de Nuestra Señora del Buen Aire. Diferente do crescimento gradual da região norte, a escalada no Sul foi drástica e a soberania espanhola na região era evidente. Enquanto o porto espanhol mais próximo estava a apenas um dia de navegação, atravessando o Rio da Prata, o centro lusitano de Santa Catarina estava a sete dias de barco. Ao norte de Sacramento, onde hoje está localizado o oeste gaúcho, foi fundada por padres jesuítas espanhóis a região do povo das Sete Missões. Os dois territórios sofreram com disputas e mudaram de Coroa diversas vezes, sendo sua posse definida pelos diversos tratados assinados ao longo do século XVIII.

Tratados de Limites Territoriais

Tratado de Tordesilhas (1494)

O processo de delimitação territorial do que viria a ser o território brasileiro teve início antes ainda da chegada dos europeus a este continente. Ainda no ano de 1494, o Tratado de Tordesilhas, celebrado pelo então papa Espanhol Alexandre VI, determinou que uma linha meridional seria traçada no globo, dividindo todas as terras entre Espanha, a oeste da linha, e Portugal, a leste da linha. Com a chegada de Cabral à ilha de Vera Cruz, pouco se explorou dos territórios nos primeiros anos. Como principal fonte econômica os portugueses retiravam o pau-brasil de nossas costas, utilizando mão de obra indígena em troca de alguns utensílios, prática conhecida como escambo.

Tratado de Madri (1750)

Comandado em grande parte por Alexandre de Gusmão, nele eram propostas divisões territoriais entre os reinos Ibéricos. A Espanha ficaria com a Colônia de Sacramento e Portugal afirmaria sua soberania na Amazônia e no Centro-Oeste, além de receber da Espanha a região dos Sete Povos das Missões, região a oeste do Atual Rio Grande do Sul, explorada por Jesuítas. Com exceção de alguns territórios anexados já no século XIX, a região delimitada pelo Tratado de Madri muito se assemelha com nosso território nos dias de hoje.

Contrário ao acordo firmado em 1750, e graças a morte do Rei José I, Marquês de Pombal ganhou poder em Portugal. Como muitos dos comerciantes lisboetas, que lucravam com o contrabando de prata em Sacramento, Pombal era contra entregar a região aos espanhóis e por vezes usou de subterfúgios, por exemplo, declarar que a os Sete Povos das Missões não tinha sido completamente desbravados e que ali ainda existiam muitos indígenas hostis. Este tipo de atitude colocou em dúvida a real propensão portuguesa a cumprir com o acordo e levou a mais alguns anos de disputa entre os países Ibéricos.

O Tratado de Madri foi o documento responsável por legalizar boa parte das posses de territórios brasileiros que, atualmente, correspondem aos estados do Rio Grande do Sul, Mato Grosso e Amazônia, regiões situadas a ocidente da linha de Tordesilhas; remarcou o meridiano de referência para a linha imaginária que divida os dois territórios( Espanhol e Português), de 100 para 370 léguas a oeste de Cabo Verde. Esse tratado dividiu um continente, uma situação sem precedentes no Direito Internacional, fixando os limites do Brasil e as fronteiras dos dez Estados vizinhos.

Tratado de El Pardo (1761)

Em 1761, Espanha e Portugal assinaram o Tratado de El Pardo, cancelando o Tratado de Madri e todos os atos dele decorrentes. Voltava-se, em tese, às incertezas da divisão de Tordesilhas, mas, na prática, nenhuma nação pretendia renunciar a suas conquistas territoriais ou a seus títulos jurídicos. Assim, no período pombalino foram construídos grandes fortes nas fronteiras do Brasil, como Macapá, São Joaquim, Tabatinga, Coimbra e Príncipe da Beira. Considera-se que o Tratado de El Pardo era apenas uma pausa enquanto se aguardava uma conjuntura favorável a um novo acordo sobre os limites territoriais das colônias. 

Tratado de Santo Ildefonso (1777)

Em 1777, após anos de conflitos na região leste do Rio da Prata os portugueses se viram obrigados a firmar mais um acordo, desta vez o Tratado de Santo Ildefonso. Devido ao enfraquecimento de Portugal, que não podia contar mais com a ajuda de sua usual aliada Inglaterra, abriram mão não só da Colônia de Sacramento, como também da região do leste do Rio Uruguai e de mais algumas colônias na África. Diferente do Tratado em Madri, o de Santo Ildefonso não havia sido oficializado, nem praticado de fato, portanto seu caráter foi mais político do que efetivamente geográfico.

Tratado de Badajoz (1801)

Com o fim do ciclo do ouro e a Guerra das Laranjas na Europa, surgiu o Tratado de Badajoz, que devolvia a Portugal a região dos Sete Povos das Missões, que nunca deixou efetivamente de ser portuguesa, e reafirmava a soberania espanhola no Rio de Prata, que embora ameaçada durante o Império de D. Pedro I, com a Guerra da Cisplatina, nunca voltou a pertencer aos portugueses.